Se você já viajou para os Estados Unidos, é provável que tenha visitado um outlet. A cena é clássica: corredores gigantes, sacolas cheias, descontos tentadores. Marcas como Nike, Calvin Klein e Tommy Hilfiger disputadas a tapa por brasileiros em busca daquele “achado” por metade do preço.
Mas ao voltar ao Brasil, a decepção: salvo raríssimas exceções, os “outlets” daqui mal parecem liquidações de fim de estação. Descontos tímidos, coleções atuais, preços pouco convidativos. Isso quando não são apenas shoppings com marketing criativo.
Afinal, por que o Brasil ainda não tem outlets de verdade? Para entendermos melhor, vamos comentar sobre sete dos principais motivos.
1. O imposto come o desconto
Nos EUA, um produto pode chegar ao varejo com margem de até 100%, e há espaço para reduzi-la sem matar a operação. No Brasil, só o imposto já leva quase metade do valor. Estamos falando de uma cadeia de tributos que inclui IPI, ICMS, PIS/COFINS, contribuição previdenciária sobre folha, taxas logísticas, substituição tributária e por aí vai.
Quando a peça chega à loja, ela já está cara. E colocar um desconto de 50% nela significaria prejuízo.
Ou seja, no Brasil, o governo é o verdadeiro dono dos outlets — ele fica com o lucro antes mesmo de o produto ser vendido.
2. Produzimos pouco, consumimos caro
O outlet americano é abastecido por excedentes de produção. A lógica é: “produzimos muito, vendemos o máximo possível e o que sobra vai para o outlet”.
No Brasil, a produção é mais enxuta, planejada para evitar encalhe. Isso porque estoque parado aqui é sinônimo de dor de cabeça fiscal e financeira.
Além disso, o sistema tributário brasileiro penaliza quem guarda mercadoria. A depender do regime fiscal, o ICMS, por exemplo, já é recolhido no momento em que o produto entra no estoque — mesmo que ele ainda nem tenha sido vendido.
3. Muitos “outlets” são apenas shoppings disfarçados
Boa parte dos empreendimentos com a palavra “outlet” no nome não passa de uma jogada de marketing. Você entra esperando encontrar roupas com 70% de desconto e sai com a sensação de que pagou o mesmo preço do shopping da esquina.
É o famoso “outlet de fachada”, que tem nome, estrutura e até arquitetura inspirada nos outlets internacionais, mas que não entrega o modelo real. Não há estoque excedente, não há peças de coleções antigas, e muito menos liquidações agressivas. O consumidor sai com a sensação de ter sido enganado, e está certo.
4. Infraestrutura e logística precária
Nos EUA, outlets ficam longe dos centros urbanos. A ideia é simples: se o consumidor vai até lá, ele vai comprar, e muito.
Aqui, isso é um desafio, em especial nas localidades menos desenvolvidas. Estradas ruins, transporte público limitado, segurança precária e alto custo de instalação em áreas mais afastadas afastam os investidores.
Sem falar que o Brasil tem dimensões continentais, mas não tem uma malha rodoviária compatível com seu tamanho. Um combo que mata o potencial logístico dos outlets.
5. Cultura de consumo imediatista e aspiracional
Enquanto nos EUA o consumidor médio não se importa em comprar a coleção passada se for mais barato, o brasileiro ainda valoriza muito o “lançamento”, a novidade, a peça da vitrine.
Temos uma cultura de consumo muito atrelada ao status, o que torna difícil o escoamento de estoques antigos, base do modelo outlet.
6. O varejo online virou o novo outlet
Com a explosão do e-commerce, muitas marcas preferem liquidar seus estoques em seus próprios sites. Sem custo de loja física, sem comissão para vendedores, sem condomínio, sem segurança. Basta criar um “bazar virtual” e pronto.
Em alguns casos, os sites oferecem preços mais baixos que os poucos outlets físicos do país.
7. Custo Brasil: o inimigo oculto
No fim das contas, tudo volta para ele: o famoso Custo Brasil.
Criar um empreendimento como um outlet verdadeiro exige um nível de planejamento e resiliência que nem todas as marcas, e investidores, estão dispostos a ter no Brasil.
No fim das contas, outlets reais exigem um país que funcione
Ter outlets de verdade não depende só de colocar um letreiro bonito com a palavra “desconto”. Exige um ecossistema favorável: impostos justos, produção em escala, consumidores racionais e infraestrutura básica.
Enquanto o Brasil não enfrentar esses gargalos estruturais, continuaremos com outlets que não passam de shoppings mal disfarçados.
E a única saída para quem quer pechincha de verdade continuará sendo o passaporte na mão, ou um bom filtro de preços no e-commerce.
Sobre o autor:
André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).
É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e centenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional.
André é autor do livro 'A Verdade Sobre o Dinheiro: Lições de Finanças para o Seu Dia a Dia', um guia prático e acessível para quem deseja alcançar a estabilidade financeira sem fórmulas mágicas ou promessas de enriquecimento fácil.
O livro está disponível em versão física pela Amazon e versão digital pelo Google Play.
Versão Física (Amazon): https://www.amazon.com.br/dp/6501162408/ref=sr_1_2?m=A2S15SF5QO6JFU
Versão Digital (Google Play): https://play.google.com/store/books/details?id=2y4mEQAAQBAJ
Instagram: @andrecharone
Imagem André: Divulgação / Consultório da fama
Nenhum comentário:
Postar um comentário