Fim da escala 6x1: uma questão de saúde, dignidade e justiça para os trabalhadores - Joana D'arc

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21 maio 2025

Fim da escala 6x1: uma questão de saúde, dignidade e justiça para os trabalhadores


A escala 6x1, que obriga o trabalhador a cumprir seis dias consecutivos de jornada para então ter direito a apenas um dia de descanso, é uma realidade comum em diversos setores da economia brasileira, especialmente no comércio, serviços e na indústria. Apesar de legalizada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), essa escala é cada vez mais questionada por especialistas em saúde, entidades sindicais e pelo próprio trabalhador, que sente na pele os efeitos da sobrecarga. Chegou a hora de repensar esse modelo: defender o fim da escala 6x1 é defender a qualidade de vida, a saúde mental e física dos trabalhadores e a construção de uma sociedade mais justa.

Um modelo que adoece

Trabalhar seis dias seguidos, com apenas um dia de descanso, compromete o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Estudos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgados em 2021, apontam que jornadas longas de trabalho aumentam o risco de doenças cardíacas e AVCs. Pessoas que trabalham mais de 55 horas semanais têm 35% mais chances de sofrer um derrame, por exemplo. A escala 6x1, muitas vezes combinada com jornadas que ultrapassam 44 horas semanais, acaba sendo um fator de risco silencioso.

Além disso, o trabalhador sob essa rotina desgastante experimenta altos níveis de estresse, fadiga crônica e menor tempo de lazer, o que impacta diretamente sua saúde mental. Em um país onde, segundo a OMS, o Brasil lidera os índices de ansiedade e é um dos líderes em casos de depressão na América Latina, esse modelo de escala agrava o problema.

Produtividade não é exploração

Defensores da escala 6x1 argumentam que ela é necessária para manter a produtividade e garantir o funcionamento contínuo de empresas. No entanto, essa lógica foi desmentida por diversas pesquisas internacionais. Um relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que países com jornadas menores de trabalho, como Alemanha e Noruega, possuem altos índices de produtividade. Isso porque funcionários descansados trabalham melhor, cometem menos erros e se engajam mais.

Empresas que adotaram modelos alternativos, como a semana de 4 dias úteis, relatam ganhos de produtividade, redução do absenteísmo e maior retenção de talentos. Um experimento feito no Reino Unido em 2022 com 61 empresas mostrou que 92% delas mantiveram a nova jornada mesmo após o fim do teste, relatando ganhos em eficiência e bem-estar dos funcionários.

Um direito à vida além do trabalho

A Constituição Federal de 1988 garante, no artigo 7º, o direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos. Mas será que um único dia é suficiente para quem enfrenta horas no transporte público, metas abusivas e ambiente de trabalho desgastante? A resposta é clara: não.

O descanso deve ir além da mera recuperação física. Ele precisa permitir que o trabalhador viva sua vida pessoal, conviva com a família, estude, cultive hobbies e exerça sua cidadania. A escala 6x1 trata o trabalhador como uma peça de produção contínua, negando sua humanidade.

Hora de atualizar a legislação

A CLT foi criada em 1943, num Brasil industrializado, mas ainda em uma lógica de produção fordista. Hoje, o mundo do trabalho é outro: temos novas tecnologias, automação, inteligência artificial e debates profundos sobre saúde mental e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Enquanto vários países discutem a redução da jornada semanal para 36, 32 ou até 30 horas, o Brasil ainda mantém um modelo que beira o trabalho escravo em algumas condições. O fim da escala 6x1 não significa “trabalhar menos e produzir menos”, mas sim trabalhar de forma mais inteligente, respeitosa e humana.

Propostas viáveis e alternativas

Substituir a escala 6x1 por modelos como o 5x2 (cinco dias de trabalho e dois de descanso) ou 4x3 (quatro dias de trabalho e três de descanso, com revezamento) é perfeitamente possível, principalmente com readequações nas escalas e uso da tecnologia. Setores de saúde, segurança e serviços essenciais podem ter regras específicas, mas mesmo esses setores merecem regras mais humanas.

Além disso, propostas como a redução da jornada semanal para 36 horas sem redução de salário, em tramitação no Congresso, ganham cada vez mais apoio da sociedade. É hora de colocar o bem-estar acima do lucro imediato.

Defender o fim da escala 6x1 é defender a dignidade do trabalhador brasileiro. É reconhecer que ninguém deve viver para trabalhar, mas trabalhar para viver — com tempo, saúde e energia para aproveitar a vida que constrói com tanto esforço. Não é apenas uma pauta trabalhista, é uma causa humanitária. E ela não pode mais esperar.

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