Bate papo com Joselicio Junior (Juninho) - Joana D'arc

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11 julho 2016

Bate papo com Joselicio Junior (Juninho)


Joana D’arc entrevista Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho, é Jornalista e pós-graduado em Mídia Informação e Cultura pelo CELACC/ECA-USP. É membro da coordenação Nacional do Círculo Palmarino, corrente do movimento negro, e presidente do Instituto de Estudos Afro-Brasileiro Manuel Querino. Morador de Embu das Artes há mais de 20 anos, também é membro da direção municipal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de Embu das Artes. Tem uma forte atuação no campo cultural, estando a frente do Ponto de Cultura “Circulo Palmarino de Periferia para Periferia valorizando a cultura afro-brasileira” que desenvolve atividades como Sarau Palmarino, Oficinas de Hip Hop e o acervo Carolina Maria de Jesus.



 1- Fale  como surgiu o Circulo Palmarino?

O Círculo Palmarino é uma entidade nacional do movimento negro, que surgiu em 2006 e visa o combate ao racismo, discriminação e intolerância, um problema que infelizmente ainda marca a nossa sociedade.

2- O que o Circulo Palmarino faz?

A atuação do Círculo é bastante diversificada, vai desde a participação de espaços como o Comitê Contra o Genocídio da Juventude Negra, que enfrenta o tema da violência e reúne centenas de entidades, a Frente Pró Cotas nas universidades de São Paulo que também vai neste sentido. Além disso, procuramos enfrentar esse tema realizando palestras nas escolas, projeção de vídeos, cursos sobre a história da áfrica e afro-brasileira, combinado com uma forte valorização da cultura afro-brasileira através de saraus, oficinas etc.

3- Quando e porque você entrou para o Circulo Palmarino?

Eu tenho uma atuação política desde meus 14 anos, participei do movimento estudantil, juventude partidária, fóruns de juventude para discutir políticas públicas e um certo dia uma pessoa, que depois se tornou um grande amigo, me convidou para participar de um encontro sobre a temática racial no Centro Cultural Carlo Marighela em Guaianazes, sai de lá com vários textos para ler, aquelas leituras fizeram muito sentido para mim e a partir de então, passei a mergulhar no tema e cada vez mais aquilo me contagiava, ai comecei a participar de outras reuniões deste grupo de onde acabou surgindo o Círculo Palmarino e desde então venho dedicando parte significativa da minha militância política nesta construção.


4- No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. O que mudou de lá para cá?

Nos do movimento negro classificamos o 13 de maio, como uma falsa Abolição. Pois, o simples ato de assinar a Lei Áurea não significou a inclusão daquela população que sofreu 350 de escravidão, na sociedade que surgia, e esse processo de exclusão gerou uma abismo social entre negros e não negros que se reflete até hoje nos aspectos econômicos, sociais e culturais.

5- Como é ser afro-descendente hoje no Brasil?

Ser afro-descendente no Brasil hoje é estar em desvantagem do ponto de vista econômico estamos na base da pirâmide, trabalhamos mais e recebemos menos, principalmente a mulher negra, do ponto de vista social 73% da população abaixo da linha pobreza são afro-descendentes, quando falamos de violência cada 3 jovens mortos no Brasil 2 são negros, quando pensamos no acesso a universidade representamos apenas 12% do universo de estudantes, no aspecto cultural a mídia nos vende uma ideia diariamente que vivemos em país harmonioso e diverso culturalmente e essa é a nossa grande beleza, porém, a todo momento impõem um modelo de beleza branco, europeu como padrão que deve ser seguido, causando diversos traumas de identidade principalmente nas crianças negras.Claro que não podemos deixar de registrar os pequenos avanços frutos da luta do movimento negro como a lei de Cotas sancionada pelo Governo Federal, ou a própria Lei que institui o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira em todas as esferas de ensino, que está muito longe de ser aplicada.

6- O preconceito é uma doença social infecciosa.Como devemos combate-la?

Primeiro é fundamental a gente diferenciar o que é racismo e o que é preconceito. Para nós do movimento negro o racismo é uma estrutura de sociedade que se constroem a partir da diferenciação étnica, ou seja, quando um determinado seguimento da sociedade esta em desvantagem ao outro. No Brasil, essa diferenciação se manifesta entre negros e não negros, fruto do processo histórico de escravização. Outro aspecto importante é que Raça, para nós, não tem um sentido biológico, pois está comprovado que não temos diferenças biológicas significativas e pertencemos a mesma espécie, mas raça tem um sentido social, por isso chamamos de racismo este processo de diferenciação, exclusão e discriminação. Neste sentido, o preconceito nada mais é do que uma ação fruto do racismo.

7- Dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, mas essa consciência realmente existe?

O 20 de novembro é o dia que marca a morte de Zumbi dos Palmares, uma das grandes lideranças do povo negro na luta por liberdade e por isso, foi instituído pelo movimento negro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Apesar de termos um dia que celebre a consciência negra, sabemos que ela deve ser construída diariamente e nas mais diversas frente e acreditamos que estamos avançando e o resultado disso ficou provado no último censo que aponta a população negra com 51% do povo brasileiro, através da autodeclaração. Precisamos investir cada vez mais na autoestima, no orgulho e na consciência, mas para isso precisamos de ganhos reais para o nosso povo.

8- Se as pessoas admitissem seu preconceito e refletissem sobre ele, já não teriam sido dados alguns passos na direção de uma solução?

O problema do racismo não se localiza apenas na relação entre as pessoas, que é um aspecto que também precisa ser enfrentado, mas principalmente ele é reflexo de uma sociedade profundamente desigual e se não avançarmos no sentido de garantir melhorias na qualidade vida da população negra, não conseguiremos superá-lo.

9- Na minha infância, eu brincava que tinha super poderes e que salvaria o mundo. Hoje o que vejo nas ruas, são crianças brincando que são bandidos.O que você acha disso?

Infelizmente está instalada em nossa sociedade a cultura da violência,que também é fruto de um processo histórico de violação de direitos e opressão. Estamos assistindo também o crescimento da intolerância contra as religiões de matriz africana, contra as pessoas que tem orientação sexual diferente do que é imposto como padrão, a violência doméstica principalmente contra a mulher ainda é uma realidade e isso reflete nas crianças que já crescem em um ambiente hostil, com poucas alternativas de esporte, lazer, cultura, combinado com uma sociedade consumista, que para você ser alguém reconhecido é preciso ter. Neste contexto, muitas vezes o espelho para a rápida acessão social é o crime. Mas em hipótese alguma podemos generalizar, pois mesmo com ausência de direitos básicos a imensa maioria da população pobre dedica parte significativa de suas vidas ao trabalho lutando por uma condição mais digna.

13- Deixe uma mensagem para os leitores.

Quero agradecer pelo espaço e dizer que não podemos perder a esperança e continuar sonhando e lutando por uma sociedade mais justa,igualitária e diversa. Muito Obrigado.


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